sábado, agosto 27, 2005

Os donos do mundo

Quem nunca passou pela situação de estar numa fila e ser obrigado a engolir algum espertinho que chegou à enganosa conclusão de não ser um mortal qualquer e resolveu passar na frente? É uma pena constatar que nem todos estão dispostos a derrubar esses pretensos deuses de seus pedestais e cobrar sua vez, ou simplesmente a situação não permite, como filas no trânsito. Mas o fato é que esses donos do mundo estão espalhados por toda parte, cada um tendo plena certeza que pode sair destilando seu veneno. Outro dia fui com minha irmã numa loja ajudá-la a escolher uma camisola, quando recebemos a desagradável visita de um desses seres. Estava ao lado do provador, pacientemente (sério!) opinando sobre o que minha irmã vestia, quando ouço um “dá licença?” sem um grão de educação atrás de mim. Afastei e deixei a simpática senhora passar para o outro provador e ainda ouvi um “parece que não sabe que está numa loja feminina”. Quis rir da cara dela por sequer considerar a possibilidade de eu querer vê-la em trajes íntimos, mas resolvi devolver o afago, dizendo que não tinha visto na porta da loja a placa que proibisse minha entrada. Quem me conhece sabe bem o quanto eu fujo de brigas e discussões, mas se tem uma coisa que me tira do sério são esses mestres do universo. O melhor de tudo foi quando a vendedora, tão indignada quanto eu, apontou para algo ao meu lado. Agradeci com um sorriso, esperei a gentil dama sair do provador, passei por ela segurando uma peça de roupa bem à vista e desferi o golpe de misericórdia (misericórdia figurativamente falando, é claro): “Posso provar esse pijama masculino?”. Eu entrei no provador quase sob aplausos e ela saiu da loja quase engasgada com o próprio fel.

terça-feira, agosto 09, 2005

Em nome da simpatia

Não há nada como um bom evento social como casamentos ou formaturas para nos fazer fugir um pouco das badalações noturnas costumeiras. É lógico que nem sempre isso é uma coisa boa, tendo em vista que uma parcela das pessoas que vão para essas festas precisa colocar em prática todo o cinismo que aprendeu na vida, enquanto sorri o tempo inteiro e finge que acha divertido ser nada mais que uma platéia muda numa comemoração que não é sua. Devo dizer que, na maioria esmagadora das vezes, esse é o meu caso. Mas eventualmente, como na formatura de um amigo, que aconteceu no último fim de semana, eu acabo achando a festa incrivelmente divertida, mesmo que ela esteja recheada de aspectos que tanto abomino. Encabeçando a lista vem a convivência forçada com familiares que só encontramos nessas ocasiões, conhecidos de longe ou até mesmo desconhecidos que dividem a mesa conosco. Depois vem a falta de algo alcoólico interessante (whisky e vinho branco não se encaixam nessa categoria) para beber, a infeliz seleção de músicas que as orquestras quase sempre insistem em tocar e os sorrisos plásticos para fotos e filmagens, entre outras coisas. O que me faz achar uma festa assim legal é ter a companhia de alguém para conversar e rir bastante de tudo isso. Afinal, não há nada mais interessante do que observar e fazer comentários nada sutis sobre quem costuma passar a noite inteira vigiando o arranjo da mesa para, ao fim da festa, levá-lo para casa. Mas sempre há uma reviravolta para tudo na vida. Daqui a um ano e meio eu me formo, e então vai ser a minha vez de ficar do outro lado, promover uma festa e, infelizmente, fazer o desespero de outros como eu. Mal posso esperar para me tornar o carrasco.

segunda-feira, agosto 01, 2005

O ócio de cada dia

Essa vida de desempregado não está nada fácil. Depois de passar cerca de três anos trabalhando de segunda a sexta em horários desumanos (com vários domingos de labuta, diga-se de passagem), ficar sem ter o que fazer é um vazio enorme no que antes era uma cansativa, mas confortável rotina. Somando a isso as férias da faculdade o que se tem é um quadro de completo ócio nada criativo, mas que, confesso, está me fazendo dormir bem, como não dormia há um bom tempo. O tempo, por sinal, era algo que eu vivia reclamando que não tinha. Hoje é uma coisa tão banal que, em alguns dias, o que eu faço de mais produtivo é ler alguns capítulos de um livro. Estava conversando com minha irmã, e ela comentou que não há nada como um belo descanso quando se tem um dia-a-dia muito agitado. Certíssimo, eu respondi, mas a coisa se torna um pouco complicada se o período de descanso é indefinido. Já mandei currículo para um bocado de lugares, mas acho que não está funcionando. Talvez eu devesse parar de mandar em anexo bilhetes suplicantes com promessas de vassalagem. Mas tem uma coisa que está me fazendo ficar animado a respeito disso. Como ultimamente as coisas na minha vida vêm acontecendo sem meios termos, estou esperançoso de que a maré mude logo. Minhas aulas recomeçam nesta semana, e se tudo continuar acontecendo segundo as atuais regras, em breve eu estarei tão ocupado que vai ser difícil arranjar tempo até para ler aqueles dois capítulos diários de um livro qualquer. Por enquanto, só me resta tentar entender o que é que se passava na cabeça do infeliz que disse que tempo (algo que eu tenho de sobra) é dinheiro (algo que eu tenho uma vaga lembrança de como se parece).