terça-feira, novembro 25, 2008

A culpa é de Chico

Em determinado momento da peça Os Saltimbancos, de Chico Buarque, um dos personagens solta essa: “Quando alguém não sabe fazer mais nada, mais nada mesmo, hoje em dia pode virar artista, músico. Hoje, todo mundo canta, como dizem aqueles que não sabem cantar”. A peça é do ano de 1977, mas mal sabia Chico que isso seria uma profecia do atual cenário musical. Hoje, a quantidade de ruídos auditivos que se autodenominam música é tão grande que já é quase normal ouvir pérolas como “tchuco, tchuco, tchuco gostoso” sem se ofender. Quase. Da minha parte, ainda considero esse tsunami de brega, pagode e funk como um câncer na indústria fonográfica nacional. Perdoem-me os fãs ardorosos dessas bandas, mas simplesmente não consigo aceitar como arte o trabalho delas. Primeiro pela falta de originalidade das suas errr... músicas. Os 50% que não são paródias toscas de canções internacionais de sucesso são de uma qualidade sofrível: vocalistas desafinados e esganiçados, coreografias inspiradas nas dançarinas do Faustão, arranjos feitos na base do teclado Casio para iniciantes, sem contar com as letras que, com muito esforço, conseguem ter a profundidade de um pires. Já se foi o tempo em que músicas desse tipo eram feitas abertamente como uma brincadeira (saudades dos Mamonas Assassinas...). Hoje, grupos com nomes que sequer valem a pena ser mencionados se levam a sério e são um sucesso nas rádios de todo o país, fazendo com que músicas de qualidade sejam oásis de perfume num deserto de fezes. É, talvez a culpa toda seja mesmo de Chico. Talvez ele devesse ter sido mais específico, deixando mais claro que o trecho citado acima era uma crítica, não um incentivo. Uma pancada de gente certamente viu Os Saltimbancos e fez da frase uma oração, numa prova de que têm tanto discernimento quanto talento.